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ENTENDA: ABORTO
Mulheres abortam.
Há mulheres que sobrevivem, e há mulheres que morrem.
Uma em cada cinco delas já fez, pelo menos, um aborto na vida, segundo a Pesquisa Nacional de Aborto 2016 (PNA), realizada pela Anis - Instituto de Bioética e pela Universidade de Brasília (UnB) e divulgada na revista Ciência e Saúde Coletiva, que entrevistou 2.002 mulheres entre 18 e 39 anos.
O debate sobre o aborto na sociedade possui picos de engajamento e envolvimento da população. Muito se fala em rodas de conversa com os amigos, quando há alguma votação no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a descriminalização, e principalmente, nas redes sociais quando casos chocantes caem no debate público. Uma prova disso foi o recente caso de uma criança de dez anos que engravidou, após ser abusada sexualmente pelo tio por anos. Mesmo com a perseguição, exposição, sofrimento físico e psíquico, o procedimento do abortamento foi realizado.
De fato, as redes sociais são importantes para o ativismo e engajamento de diversas causas - ganhando destaque durante a pandemia do coronavírus - como o aborto. Porém, é preciso saber sobre o que está sendo debatido, como isso afeta a sociedade e qual a sua importância, para que fake news não sejam propagadas.
Portanto, essa reportagem inicial tem como objetivo fazer um panorama sobre o aborto, trazendo a voz de especialistas como ginecologistas obstetras, psicólogas, assistentes sociais, quem é a favor ou contra e, quem já realizou o procedimento de maneira ilegal ou legal no Brasil.
O que é?
O aborto ou abortamento é a interrupção de uma gravidez antes que ela se desenvolva, ou seja, o feto se complete. Segundo o médico ginecologista e obstetra formado pela Universidade Federal do Piauí, Edson Ferreira, a interrupção ocorre antes da idade gestacional que corresponde a 20° semana.
“Quando a gente fala de tudo junto, um conceito que aglomera, seria uma interrupção da gestação antes das 20 semanas, de idade gestacional ou 22, dependendo, da mais ou menos a metade da gravidez. Então, a interrupção da gestação até a metade, gera um feto com menos de 500g e um tamanho máximo de 25 centímetros. Esses são os pré-requisitos do ponto de vista de lei pra chamar qualquer perda gestacional de aborto e não de óbito fetal, é uma outra situação, com a gestação mais avançada. Aborto é mais inicial”.
Quais os tipos?
Podem ocorrer dois tipos, o aborto espontâneo e o aborto induzido. O espontâneo é a interrupção involuntário da gravidez, estima-se que ocorre em 10% a 25% das gestações. As causa não são certas, mas o fatores como idade avançada, problemas no desenvolvimento do feto, uso de drogas, cigarros e álcool podem influenciar no processo. O aborto espontâneo é considerado precoce quando apresenta menos de 13 semanas de gravidez, e tardio, quando ele ocorre entre a 13 e 22 semanas.
O médico ginecologista e obstetra, Edson Ferreira, afirma que existem tipos de aborto espontâneo que podem ocorrer “O aborto retido quando a gestação não foi eliminada; o aborto completo, quando todo o material já é eliminado sem necessidade de intervenção médica; e o aborto incompleto, quando uma parte do material é eliminado, mas ainda há necessidade de completar esse esvaziamento porque ainda ficou algum material.”
O especialista acrescenta que os casos de abortos incompletos são mais comuns em processos realizados em clinicas clandestinas e, possuem uma alta taxa de morte materna, ele afirma “Há uma maior exposição a risco de infecção, há uma maior probabilidade de sangramento, uma das causas de morte no nosso país”.
O aborto induzido pode ser seguro, quando feito em hospitais com equipamentos e equipes competentes para realizar o procedimento, ou inseguro, quando feito em clínicas clandestinas, pela própria mulher e sem acompanhamento médico. O abortamento seguro pode ser feito com uso de remédios abortivos, como o Misoprostol, mais conhecido como Citotec, que é inserido na boca e na vagina da mulher. O Dr. Edson Ferreira explica o funcionamento do medicamento “A maneira relativamente simples de explicar o mecanismo de ação do Misoprostol é que ele vai modificar tanto a consistência do colo do útero - facilitando a sua abertura - quanto a contratilidade do útero, o músculo vai contrair mais e o colo do útero vai ficar mais aberto, facilitando a eliminação através dessa combinação”.
O processo pode demorar de seis horas a sete dias, dependendo de como a organismo da mulher irá reagir ao medicamento. Também pode ser feito o abortamento seguro por meio de métodos cirúrgicos, como a curetagem e a aspiração intrauterina. A curetagem consiste na inserção da cureta - semelhante a uma colher sem fundo com cerca de 23 centímetros - no canal vagina da mulher, enquanto ela está sedada. Ao alcançar o útero, é feito movimentos circulares para deslocar o saco gestacional que contém o embrião e a placenta. Na aspiração, é inserido um aspirador manual para fazer a sucção do saco gestacional. Nos dois casos, o procedimento demora 15 minutos e a mulher já pode ir para casa, desde que fique de repouso no dia.
A Organização Mundial da Saúde (OMS), considera o uso de medicamentos, curetagem e a aspiração, métodos seguros quando feito com o uso de equipamentos, recursos necessários e uma equipe de médicos capacitados. Porém, o aborto é legal, ou seja, a mulher não é presa se realizar o procedimento e pode ser feito em hospitais em apenas três casos no Brasil.
O aborto induzido inseguro pode ser feito em clínicas clandestinas, pela própria mulher utilizando ferramentas como agulhas de tricô, remédios abortivos sem orientação médica ou armazenados de forma incorreta. Em conversas de grupos no Facebook de mulheres que realizaram o processo de abortamento em casa com uso do medicamento Misoprostol - Legalmente utilizado apenas em hospitais de forma supervisionada - afirmaram que possuíam diferentes tempos de sangramento, quantidade e dores, sobre essa situação o especialista Edson Ferreira explica as diferenças e riscos que o remédio pode oferecer ao ser usado em casa “É uma medicação que se usada da maneira correta agrega pouco risco. O ponto das diferenças de percussão de dar certo, de não dar certo, de sangrar mais ou de sangrar menos é realmente a maneira que ele é utilizado, se é uma subdose (menor do que deveria) ou uma superdose (maior do que deveria)”.
Ele completa “O aborto não é legal no Brasil na maioria das situações em que é necessário, essa medicação é adquirida de que maneira? Quem comprou? Em algum momento, alguém teve acesso a um estoque desse hospital, desviou uma parte desse estoque para um mercado clandestino, acomodou essa medicação num local pra polícia não encontrar, um medicamento acondicionado de maneira inadequada sem a ventilação adequada, exposto ou não exposto à luz de maneira excessiva. A preservação daquele medicamento de maneira clandestina também interfere”.
O acesso às medicações na maioria da vezes é feito por pessoas de classe social mais alta. Ele diz “Nem sempre vão ser pessoas de classe social mais baixa, a discrepância também tá representada em que o aborto clandestino é mais grave, traz mais repercussão de saúde pra nossa população mais pobre, pra nossa população descriminada. População negra de mulheres periféricas, população realmente mais suscetível e carente de acesso à saúde”.
Em quais casos é permitido fazer o aborto?
Segundo o Código Penal Brasileiro, o aborto é considerado crime desde 1948. A mulher que realizar o processo, pode pegar de um a três anos de prisão; o médico que auxiliar, pode pegar de um a quatro anos de prisão e; Quando o aborto é provocado sem o consentimento da mãe, a pessoa que o provocou pode pegar de três a dez anos de prisão.
Porém, o Art. 128 do Código Penal permite a realização do aborto pela lei em apenas três casos, eles são:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
E, em 2012, foi julgado e incluído pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o aborto quando o feto for anencéfalo, ou seja, não possuir cérebro.
O Dr. Edson Ferreira afirma “Oficialmente, essas são as únicas situações em que um aborto pode ser provocado com assistência de um profissional de saúde. Situações que a lei permite que os profissionais de saúde e a própria mulher não sejam responsabilizados por interromperem aquela gestação”. Sobre a situação dessas mulheres ele completa “Estamos falando de mulheres que são vítimas de uma violência sexual, mulheres que tem uma condição de saúde que a gravidez pode agravar tanto que põe em risco de vida e a possibilidade do feto ser anencéfalo, essa do feto é relativamente recente. Na constituição até então a gente só tinha as outras duas, mas é algo que não gera tanta discussão, tanta polêmica, porque um feto anencéfalo não tem nenhuma perspectiva de vida.”
Nos casos de risco de vida para a gestante, afirma que são poucos e que precisa passar por uma avaliação de profissionais diferentes “A situação materna grave exige uma avaliação multiprofissional, então em geral são dois médicos diferentes, um ginecologista obstetra e um que cuida especificamente daquela doença. Por exemplo, uma cardiopatia, uma doença do coração muito grave. Além do obstetra, o cardiologista analisa junto aquela paciente e, são os dois profissionais juntos que vão decidir se realmente aquela gestação é muito agravante da condição materna. Não é tão comum, na maioria das vezes as mulheres que engravidam são mulheres saudáveis.”
Dentro do Hospital das Clínicas em São Paulo, local onde trabalha, afirma que na maioria dos casos a gestação é levada adiante por conta da infraestrutura capacitada e o desejo das mulheres de continuar a gestação “Só interrompe em casos muito extremos. Se continuar mais duas, três semanas essa paciente realmente tem risco de óbito, em alguns casos de câncer também. Ela descobre um câncer que é muito agressivo, precisa começar um tratamento, mas o tratamento vai trazer repercussão fetal muito grave, acaba sendo feita essa interrupção, mas esses casos são minoria pela probabilidade mesmo.”
Já nos casos de violência sexual contra a mulher, afirma que oficialmente é um direito da mulher, mas que essa situação acaba sendo sub-representada. “Oficialmente, todos o serviços que fazem assistência a saúde da mulher, todos os serviços que têm atendimento de ginecologia, obstetrícia deveriam oferecer estrutura pra fazer interrupção da gestação uma vez que aquela mulher tenha uma gestação resultante de uma violência sexual, de um estupro, de um abuso sexual. Infelizmente, no nosso país, a gente ainda sabe que isso não é comum, muitas mulheres têm muita dificuldade em chegar aos serviços que fazem esse tipo de procedimento, muitas mulheres têm receio de falar que foram estupradas. Se eu for ao hospital e contar que o meu marido me estuprou, que o meu padrasto me estuprou, o que mais ele pode fazer comigo? Ele pode me bater, ele pode me matar, me estuprar de novo. De todas as condições essa é a mais sub-representada. Entre os contextos de saúde que a gente vive, ninguém vai ter um problema de falar pra outras pessoas que, infelizmente, teve um problema genético e o bebê nasceu sem cérebro. Que infelizmente, ela teve uma doença que se não interrompesse a gestação tinha a possibilidade dela morrer, mas muita gente ainda pelo estigma, ainda pela discriminação e pela estrutura da sociedade em que vive, que ainda é muito misógina, acaba calando diante das situações de violência sexual”.
As gestantes que se enquadrarem em uma dessas três situações podem obter gratuitamente o aborto legal através do SUS (Sistema Único de Saúde). No entanto, nota-se que, na maioria dos casos, o acesso não é fácil, logo, muitas mulheres optam pelo aborto em clínicas clandestinas e, devido a complicações no procedimento, acabam morrendo. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (PNA), uma das mais importantes sobre aborto no Brasil, há um perfil dessas mulheres. Em sua maioria, mulheres negras e indígenas, com menor escolaridade, e que vivem no Norte, Nordeste e Centro-Oeste apresentam taxas de aborto mais altas.
Como funcionam os abortos clandestinos?
Sobre os abortos clandestinos é notável a diferença e o o Dr. Edson explica “Quando a gente pensa na indução ou execução do tratamento do aborto de maneira supervisionada por um profissional de saúde habilitado, os riscos são mínimos. No entanto, quando a gente fala da realização do aborto clandestino, estamos falando de pessoas que vão interromper a gestação das maneiras mais esdrúxulas possíveis. Por exemplo, agulha de crochê, enfia uma agulha de crochê através do colo do útero, vai dilatando esse colo do útero pra induzir a perda da gestação. É muito comum a introdução de varas de ferro, a introdução de objetos perfuro cortantes.”
O médico também afirma que já chegou a atender uma menina que colocou um frasco de desodorante para gerar a indução do abortamento e com isso teve uma infecção grave, sendo necessário realizar uma abordagem cirúrgica, ele diz “Foi uma situação realmente muito mais delicada. Procedimento completamente às avessas, sem nenhum tipo de proteção contra infecção, contra sangramento. As duas principais complicações estão relacionadas a isso, infecções pélvicas e sangramento excessivo, fazem parte, inclusive, das três principais causas de morte materna no Brasil.”
E os abortos legalizados?
O processo de abortamento quando há risco de vida para a gestante ou caso o feto seja anencefálico são mais fáceis de se realizaram na prática, basta entrar em contato com o médico ginecologista. No caso de aborto decorrente de um estupro a situação é diferente.
A situação nos casos de estupro
Segundo dados do 13° Anuário de Segurança, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgado em 2019, o país contabilizou mais de 66 mil casos de violência sexual em 2018, sendo em sua maioria, 82% praticados contra as mulheres. Um número que corresponde a 180 estupros por dia, taxa mais alta desde 2009. Um dado que não aparece são os casos em que a mulher não denuncia, seja por vergonha, medo ou falta de confiança nas instituições. Com base no relatório apenas 7,5% das vítimas chegam a denunciar.
Outros dados importantes que mostram um pouco da situação é que 76% das vítimas conhecem os abusadores, seja pai, tio ou avô e a idade das vítimas varia, mas meninos e meninas são mais abusados entre 7 e 13 anos.
De 2010 a 2019, o SUS registrou 24, 8 mil internações por aborto de meninas de 10 a 14 anos de idade. “Toda gravidez abaixo de 14 anos, legalmente, é um estupro” afirma o Dr. Edson Ferreira.
Sobre os riscos de prosseguir com esse tipo de gestação na infância e adolescência o médico completa “Do ponto de vista biológico, também sabe-se que a gestação na adolescência está mais acompanhada de situações como elevação da pressão durante a gestação e restrição de crescimento. O bebê fica com peso muito menor do que deveria e tem uma chance maior de complicação de trabalho de parto prematuro e precisar ficar numa UTI. Agrega risco não só pra mãe, como também pro conserto. Uma criança de 10 anos é uma criança bastante jovem, ela nem completou o seu desenvolvimento puberal. Qual é a capacidade daquele útero de seguir com a gestação adiante? Qual é a repercussão das modificações da gravidez naquele organismo que nem completou o seu desenvolvimento?”.
No caso da menina que fez um aborto legal após ter engravidado decorrente de um estupro, o Dr. Edson desabafa sobre as dificuldades de acesso ao aborto legal e seguro para a jovem que é concedido por lei. “De longe a gente nem deveria estar discutindo isso, essa criança deveria ter conseguido no primeiro momento a interrupção de gestação, seguir pra sua vida sem nenhum tipo de exposição em qualquer cidade que ela estivesse. Por vezes, a gente vai encontrar alguma resistência de um profissional especificamente por motivos religiosos, culturais ou éticos, e isso é respeitado, o profissional que não se sentir à vontade para realizar o procedimento não precisa fazê-lo, mas não é concebível que numa cidade não exista uma pessoa que possa fazer esse procedimento de maneira segura. Ela precisou trocar de estado para fazer o procedimento, o quão longe tá indo e o risco que essa menina tem de sofrimento psíquico é muito alto. Quando ela precisa mudar de cidade, mudar de estado para conseguir fazer o procedimento, tem os seus dados expostos na mídia, todo mundo consegue identificá-la ou ir até o hospital e fazer uma manifestação para que ela não aborte, rezando em voz alta, chamando-a de assassina, a repercussão que essa menina tá carregando é infinitamente maior do que já seria, um sofrimento bastante alto se nada disso tivesse acontecido”.
Além dos risco biológicos e psicológicos de uma gravidez na infância e na adolescência, há também um risco social. Ele afirma que não é fácil uma criança que teve um bebê, uma adolescente que teve um bebê voltar a estudar, terminar a sua escolaridade, “Na maioria das vezes elas não conseguem voltar pro ritmo de vida que elas tinham programado. Se ela engravida uma vez essa probabilidade de retorno é baixa, se ela engravida duas vezes ou mais, provavelmente ela não vai conseguir retomar essa perspectiva de carreira e isso é grave”.
Ele completa “Isso é um dos motivos que perpetuam realmente o ciclo de pobreza na nossa sociedade, é um dos motivos que continua afastando a mulher de cargos importantes. A mulher tá no mercado de trabalho há muito tempo, mas ela tá ocupando cargos que nem sempre são os mais desejados, cargos que nem sempre elas sonham pra si próprias. As situações de liderança na maioria ainda são ocupadas por homens, por conta dessa estrutura também”.
O papel do psicólogo
A psicóloga Daniele Abrão Zierth, formada em Psicologia pela Universidade Tuiuti do Paraná, já trabalhou em diversos CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) em São Paulo, em especial o de Sapopemba e o de Ipiranga, ela conta sobre a importância do acompanhamento psicológico de mulheres que passaram por um processo de aborto. “O serviço de psicologia sempre vai estar vinculado às questões emocionais das pessoas. Quando a gente pensa em uma mulher que fez aborto, a gente vai ter que apoiá-la para entender quais foram as decisões que a levaram a fazer esse aborto, se foi um aborto natural, se foi um aborto de uma forma legalizada ou não, então a gente vai ajudá-la a compreender essa perda, essa dor ou o que venha acontecer neste momento desse luto.”
Daniele afirma que o atendimento de crianças e adultos não possui diferença de tratamento, mas no caso da criança é mais delicado “Eu tenho que entender quando é uma mulher: a forma como gerou essa gestação, se foi uma relação consentida, fruto de estrupo ou uma relação que aconteceu naturalmente. Em uma criança não foi consentido então, a gente vai entender enquanto processo de abuso. É preciso entender o que essa criança traz no processo de violência, fazer todos os trâmites legais que respaldem essa criança. Existe todo um fluxo de cuidado quando elas sofrem violência. Todas as unidades de saúde do município de São Paulo têm um núcleo de proteção e violência, quando chega o caso de uma criança, a gente tem uma organização de notificação e encaminhamentos necessários para rede. Quando chega um adolescente ou um adulto é a mesma coisa”.
A psicóloga também fala da importância da educação sexual nas escolas, desde que feita de forma correta “Tem um papel importante, mas tem que ser feito com um bom professor, não adianta chegar com uma pessoa cheia de normas, rígidas e dura. Ele tem que estar disposto e aberto a ouvir o que essa criança ou esse jovem quer entender ou conhecer. Nada adianta se você falar que vai dar uma aula de educação sexual e chegar cheio de preconceitos. Eu tenho que conseguir ser escutada e ter liberdade para que esse assunto possa ser tratado com normalidade, não existe mais a história da cegonha. Existem alguns vídeos educativos bem interessantes que ensinam para as crianças onde o amiguinho pode tocar, porque a questão da sexualidade é o toque, é como a pessoa fala ou mexe com você, então tem várias situações que precisam ser ditas sim. Se tem alguém que está ali mexendo com você ou fazendo algo que você não gosta, isso não está correto, mas eles têm que aprender que isso não está correto e precisam ter voz para isso”.
A atuação da assistente social
A assistência social atua junto com uma equipe multiprofissional do aborto legal: psicólogos, enfermeiros, policiais, técnicos de enfermagem, enfermeiros, médicos. Dependendo da UBS (Unidade Básica de Saúde) tem terapeuta ocupacional. É o que afirma Mariana Chaves Kanaan, formada pela universidade Nove de Julho em Serviço Social, desde 2017 e com pós graduação em Saúde mental pela FAPSS.
Mariana trabalhou como assistente social em uma ONG, que tinha capacitação profissional para adolescentes de vulnerabilidade social. Atualmente trabalha como assistente social, em um CAPS Infanto-juvenil. E, tem um projeto social em conjunto com um médico na comunidade Vila Primavera.
A assistente social diz que a questão do aborto ainda é um grande tabu na sociedade e um tabu para as mulheres também “A mulher quando sofre violência, qualquer tipo de violência, ainda tende a se sentir culpada sobre aquilo. Eu acho que é uma vergonha muito grande ela admitir que sofre qualquer tipo de violência, então eu acho que ela prefere lidar com aquilo ali, quietinha, caladinha e não compartilhar. Por isso, o profissional de saúde tem que estar muito atento aos sinais, às falas soltas daquela mulher, a expressão corporal e, com muito jeito ir conversando, ir fortalecendo vínculo para que ela se sinta à vontade e confiante de falar. A construção de vínculo é um processo longo, mas acontece”.
Mariana completa “A violência cada uma lida de um jeito. Outras prefere falar, outras preferem guardar, outras preferem contar pra amiga, mas não procurar um serviço de saúde, não procurar meios de se resolver. Até porque não é fácil falar. O julgamento da sociedade é esse, né?! 'apanha porque quer' Não, ninguém apanha porque quer, é muito difícil pra uma mulher sair de um relacionamento abusivo, por n motivos. Muita das vezes ela tem dependência financeira, tem a questão dos filhos, tem a questão da ameaça. Não é fácil pra uma mulher sair de um ciclo de violência, não é nada fácil pra ela admitir isso. Mas o importante é sempre falar”.
Com a pandemia, a assistente social desabafa sobre os medos e dificuldades encontradas “A palavra que define esses primeiros meses, primeiros dias de pandemia é angústia. Foi assim, momentos angustiantes pra todos nós, a gente que estava ali na linha de frente foi mil vezes mais angustiante, cada dia vinha várias circulares, as coisas mudavam a cada momento. A gente tinha o medo do desconhecido, mas não paramos em nenhum momento. O CAPS não parou de funcionar, suspendeu os grupos, mas continuamos atendendo no individual. Assim como as UBS não pararam de atender em nenhum momento. Foi suspensa as agendas de consulta rotineiras e as UBS se debruçaram na linha de frente da covid-19, mas ninguém deixou de trabalhar um minuto. O CAPS nas primeiras semanas deu uma baixada na demanda, mas já no mês seguinte tudo voltou ao normal”.
Mariana também afirma sobre a mudança de solicitações, em outros CAPS, os casos de violência contra a mulher aumentaram, já no da região de Sapopemba o aumento foi outro “Interessante o nosso CAPS porque começou a chegar uma demanda que antes não chegava, a de adolescentes em uso de substâncias psicoativas, esses adolescentes não chegavam e com a pandemia começaram a chegar em situação de crise”.
O trabalho no CAPS tenta voltar ao normal aos poucos segundo a assistente social “Conseguimos sobreviver, agora começou a flexibilizar um pouquinho, o CAPS tá em ritmo completamente normal, tirando o fato de não ter grupo, mas agora veio uma normativa que a gente pode fazer grupo até umas cinco pessoas, três usuários e dois terapeutas”.
Descriminalização do aborto: A favor ou contra?
Maria Paula Monteiro tem 21 anos, é estudante de jornalismo na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), militante feminista no Coletivo Várias Marias e no PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), considera o acesso ao aborto seguro e gratuito um direito de toda mulher.
Ela afirma “A partir do momento que se legaliza o aborto essa mulher passa a ter o procedimento seguro. O benefício está nisso, preservar a vida dessas mulheres e garantir que elas tenham um procedimento seguro. Hoje vemos algumas mulheres que têm acesso ao Citotec, para realização de aborto, porém as que não tem acesso aos medicamentos tentam métodos precários e morrem; ou são atraídas pelas clinicas clandestinos, que na maioria das vezes possuem métodos açougueiros. Por isso que temos que lutar por esse tema e encarar como saúde pública”.
Ela também afirma que a pauta do aborto e do feminismo devem andar juntas “É impossível você se declarar feminista, mas se dizer contra a pauta do aborto, porque uma mulher morre a cada dois dias decorrente do aborto. Mulheres negras tem uma chance 2,5 vezes maior. Então, quando uma pessoa se declara feminista ela tem que colocar a defesa dos direitos da vida das mulheres sempre no seu panorama e pensar no aborto não na questão moral, mas sim saúde pública de salvar a vida dessas mulheres. Quando se fala dessa preocupação de direitos do feto, na verdade é uma falsa preocupação, porque as pessoas não se preocupam com a quantidade de crianças que estão em orfanatos e muitas vezes são contra adoção por casais LGBTs, pois são muitos associados. Então eu penso que é uma preocupação moralista quando as pessoas se colocam contrários à legalização do aborto, porque o aborto não deixa de acontecer simplesmente porque ele está criminalizado”.
Já Tiba Camargo, missionário na Associação Internacional Privada de Fiéis, ex apresentador da TV Canção Nova e pró-vida se diz contrário a descriminalização do aborto em todos os casos, ele afirma “Sou contra a descriminalização do aborto provocado por causa da natureza própria desse tipo de aborto, que se classifica como o ato deliberado de tirar a vida de um ser humano em desenvolvimento, uma vida inocente e indefesa que se encontra no lugar onde essa vida mais precisa ser protegida, o ventre de sua mãe. Alguns recorrem ao apelo emocional pra tentar tirar o foco da pessoa mais atingida com o aborto, que é o próprio bebê, mas convenhamos, o bebê é de fato a pessoa envolvida que mais sofre as consequências disso. Ou outra consequência seria maior que pagar com a própria vida pela escolha que alguém faz? Dizendo isso, não sou indiferente ao dilema da mulher que sofre, pois eu sei que muitas vezes é uma drama muito grande para a mulher que tentar se livrar de um sofrimento, porém, sem perceber que o aborto nunca é solução e ela acaba entrando num outro drama, por vezes, muito maior”.
Ele também afirma “Não é lícito eliminar essa vida inocente e indefesa, logo, não é lícito classificar esse assassinato como legítimo. Se terceiros cometeram um crime e uma vida concebida seja consequência desse crime terrível, mesmo assim é ilícito, pois, não se pune com pena de morte um indivíduo vítima, uma pessoa que não teve culpa alguma de estar vivo. Que se puna exemplarmente o criminoso com a pena mais dura possível, que leis mais rígidas sejam estabelecidas, políticas de segurança pública. Que essas mulheres vítimas de violência sexual sejam amparadas, protegidas, cuidadas, defendidas de todas as formas possíveis, que seja proporcionado a elas serviços de acompanhamento psicológico e emocional integral; E que estes bebês, se for o desejo destas mulheres, sejam colocados para adoção (cuja fila no Brasil é quilométrica), possibilitando que recebam um lar e uma família, mas jamais mortos cruelmente sem terem cometido crime algum”.
Conheça por elas: A história de 4 mulheres que abortaram de forma legal e ilegal no Brasil