A HISTÓRIA POR ELAS

Vanessa de Paulo
"Quando eu soube que tinha que tirar eu fiquei muito triste e chorei bastante, é uma dor que não se esquece"
Vanessa de Paulo mora em uma cidade com menos de seis mil habitantes, chamada Senhora de Oliveira, no interior de Minas Gerais. Com 33 anos, ela mora com o atual marido e os dois filhos jovens de um relacionamento anterior. Quando viu que estava grávida ficou extremamente feliz, mas conta que teve que realizar um aborto no segundo semestre de 2020, pois corria risco de vida com a gestação. Para ela e para o marido, foi um baque muito grande: “Foi uma dor que eu senti, pois já estava planejando e comprando as roupas, estava feliz e meu marido ainda mais, foi um sonho que se desfez” relembra.
Tudo começou quando dona Vanessa foi ao hospital de sua cidade se consultar com o médico, ela conta que estava com 1 mês e cinco dias de gestação, mas o ginecologista disse que ela não estava grávida, mesmo com fortes dores. “O médico daqui de Senhora de Oliveira disse que eu não estava grávida, se ele tivesse diagnosticado talvez não que eu iria conseguir salvar, mas poderia não ter precisado da cirurgia a qual eu fiz”. Ela também conta que mesmo com o pouco tempo de gestação, estava muito animado e com expectativas sobre a gravidez “Foi pouco tempo, mas o tempo foi muito bom, pois era o primeiro filho do meu então marido”.
Ela conta que guarda rancor do médico que a atendeu, tudo poderia ser diferente se ele tivesse a atendido corretamente “Por isso, que o ginecologista deveria ter me encaminhado para o hospital de Conselheiro Lafaiete, ele simplesmente falou comigo que eu não estava grávida e ficou assim, cada vez mais eu sentia dores, até que no dia 24 de setembro ocorreu uma dor muito forte e fui encaminhada para o hospital de ambulância, onde realizei uma cirurgia na cidade vizinha” diz.
Vanessa conta que a sua trompa esquerda estourou e com isso iniciou uma hemorragia interna. “Na hora o médico avisou que não eu iria conseguir concluir a gestação e estava correndo risco de vida.” Vanessa saiu de sua cidade natal, Senhora de Oliveira e foi para a cidade vizinha, Conselheiro Lafaiete, com cerca de 126 mil habitantes. O trajeto não demorou muito, mas as dores sim “Uma hora mais ou menos, sai daqui na quinta-feira de ambulância de manhã. Porém, quando se está com dor as horas aumentam”.
Comparar o hospital de Lafaiete e Senhora de Oliveira é complicado, ambos são muito diferentes. Ela conta que não tinha condições de ser tratada em sua cidade, pois nem sala de cirurgia possuía “O hospital tem pouco recurso por ser numa cidade pequena. Já em Lafaiete têm equipamentos. Eu cheguei no hospital e fiz o ultrassom para saber o que estava acontecendo. Em Oliveira não tem sala de cirurgia, é um risco que a gente corre”.
Vanessa realizou a cirurgia na quinta-feira e teve alta no sábado, depois ficar de repouso absoluto. Mesmo tendo perdido uma das trompas, o médico de Lafaiete a assegurou que ela ainda conseguira engravidar novamente. Ela só voltou a trabalhar no começo do mês de novembro, trabalha como empregada doméstica e conta que recebeu apoio da patroa e da família. Depois de realizar o aborto, Vanessa entrou em depressão pós-parto, chegou a ir no psicólogo poucas vezes, e seu marido, nem chegou a ir, ele chorou, mas nunca chegou a tocar no assunto. Já a esposa conta “Eu comecei a chorar muito, pois ficava admirando as roupinhas que ganhei e desenvolvi uma depressão pós-parto, recebi apoio dos familiares e amigos. Eu fui tentando levar a vida”.
Por ser sua primeira cirurgia e envolver um filho que ela queria muito, Vanessa conta que ficou com muito medo “Nunca fiz nenhuma cirurgia, pensei que iria morrer, as enfermeiras tiveram que me acalmar, pois chorava muito e fiquei preocupada se eu poderia engravidar novamente, até o médico conversou comigo. Essa dor foi pior do que a dor de parto, não desejo nem ao meu inimigo. Fui para o centro cirúrgico calada e orando para Deus”.
Vanessa tenta voltar ao ritmo normal de sua vida com o apoio da família e amigos de sua cidade. Além de ser uma pessoa bem comunicativa, com bom humor, características marcantes de sua personalidade. No momento, ter um filho não está nos seus planos, mas se for para acontecer ficará muito feliz, não irá substituir o que ela perdeu, contudo, será muito amado. Com uma fé inabalável em Deus, Vanessa é muito grata por ainda estar viva “Tenho que agradecer muito a Deus, porque eu poderia ter morrido, já que o médico falou para mim que era perigoso. Então passei por esse processo de cirurgia e fiquei tentando imaginar o porquê? Mas Deus sabe realmente o que faz”. Em relação ao aborto, Vanessa conta que são comuns na cidade do interior, muitas mulheres fazem, inclusive a sua prima recentemente “Ela não precisou de cirurgia, apenas perdeu e demorou muito para engravidar. Aqui na minha cidade isso é o que mais acontece, as meninas engravidam e sofrem o aborto (espontâneo ou induzido)”.
Por Evellyn T.

“Legalizar o aborto é o caminha para solução de vários problemas, mas esse país condena as inocentes”
Alessandra dos Santos
Alessandra dos Santos Gordo realizou um aborto clandestino em 2005, aos 35 anos de idade. 15 anos depois do ocorrido ela relembra a situação. Na época, era professora de educação física e morava em São Paulo com a mãe e o filho de oito anos fruto de um relacionamento anterior. Alessandra e o parceiro se tornaram sócios após inaugurarem uma academia em 2004, porém conta que era um relacionamento abusivo.
“Eu era sócia ele e dava aulas na academia. Ele também era professor de educação física. Em 2006, descobri que ele tinha voltado com a ex. Era um cara que me colocava pra baixo, me chamava de gorda, me humilhava na frente dos outros”.
A possibilidade de criar outro filho a preocupou, pois o companheiro havia acabado de terminar o relacionamento com outra mulher e ela não aceitava o término, então a perseguia e agredia de forma física e psicológica. “Quando me vi nesta situação, a família contra e o meu parceiro indo e voltando com a ex, percebi que não dava. Eu já não queria nenhum tipo de vínculo com ele, meus pensamentos na época eram de fugir para longe e largar tudo, mas iria levar a minha família nas costas e a academia era o meu sustento então decidi fazer o aborto”.
Além disso, seu namorado possuía uma filha já, durante conversas com a ex-sogra ela comentava a possibilidade de ficar grávida e a ideia era rejeitada, porque dizia que já tinha uma neta e não aceitaria outra criança. Alessandra ficou com o parceiro por um ano, nesse período que ficou grávida, só a mãe sabia “Ele nunca soube que eu estava grávida dele. Eu não ia arriscar a vida do meu filho ou do que estivesse gerando para alguém matar. A ex-mulher dele jogou o carro em cima do meu filho. Na época eu deixei, tive que deixar de lado essa história para continuar na academia”. Sobre o aborto que realizou, Alessandra não comenta com muitas pessoas do círculo familiar, exceto a mãe, o filho e uma amiga próxima.
Alessandra teve dificuldades de encontrar o medicamento Cytotec (Misoprostol) e tinha receio das consequências que poderiam acarretar na sua saúde e na do bebê, caso a interrupção não funcionasse. Descobriu uma clínica clandestina e pegou emprestado dinheiro com a mãe para poder realizar o procedimento. “Um farmacêutico indicou uma clínica e passou os valores. Ligamos e marcamos”. Horas depois que o realizou, foi liberada para casa.
Sobre o aborto, Alessandra afirma “Eu não sou a favor, mas não sou contra. Eu acho que existem situações. Eu entendo o que eu fiz e tenho consciência disso. Não vou recriminar ninguém, mas cada um sabe dos seus prós e contras. Quer fazer sexo, faça, mas se cuida. Por exemplo, uma criança que foi abusada, não é justo ela ficar com aquela criança”.
Ela completa “Para se legalizar o aborto tem que mudar a educação das pessoas e isso é a longo prazo. Nós (mulheres) precisamos nos unir e mudar essa situação, trabalhar para que deem mais liberdade para mulher e poder de tomar certas decisões sobre o nosso corpo”.
15 anos depois de realizar o procedimento, Alessandra encontra-se solteira e morando com a mãe e o filho, que está com 23 anos, em São Paulo. Comenta que não teve mais filhos e não tem interesse de expandir a família. Alessandra agora atua mais como motorista de aplicativo (Uber) e entregas de compras.
Por Bianca F.
Bárbara é uma entre tantas jovens que fez um aborto e sobreviveu para contar sobre as marcas dessa experiência. Descobriu a gravidez, em 2019, com 20 anos de idade e um trabalho sem registro. Era garçonete em um bingo ilegal e o parceiro estava desempregado. Além disso, morava na casa dos tios com os dois primos, no bairro do Capão Redondo, extremo sul da periferia de São Paulo.
“Eu comecei a passar muito mal no trabalho e aí um dia eu desmaiei. Pensei em fazer um teste de farmácia no meu horário de almoço. Fiz e deu positivo. Pedi para ir embora do trabalho e fiz outro teste no caminho, também deu positivo. Daí fui para casa do meu namorado para conversar. Quando disse que estava grávida, ele disse: 'Nós vamos dar um jeito'. Fomos para casa de um amigo dele porque eu fiquei mal, mas não podia transparecer para os meus familiares”.
A jovem conta que conforme os dias foram passando o silêncio tomou conta da relação e ambas as partes não tocavam no assunto. No entanto, seus familiares perceberam que havia algo de diferente no semblante dela. Bárbara acabou indo morar junto com o namorado, mas a relação continuava ruim “Eu tentava conversar com ele sobre como nós íamos fazer, mas ele não tomava posição. Após ser encurralado sobre a situação ele disse: 'Não estou sabendo lidar e disse que eu tinha que me virar sozinha, foi o que eu fiz'”.
Além dessa situação, fatores pessoais reforçaram a decisão de abortar. Por traumas com a mãe ela preferiu não prosseguir com a gravidez por zelar pela qualidade de vida dessa criança. “Por mais que eu amasse ele naquela época, eu não tinha dinheiro, não tinha condições de cuidar de uma criança” disse.
Desde nova, Bárbara recorda que sempre se virou sozinha, a mãe a deixava largada e também era usuária de drogas. Já o pai foi dado como desaparecido desde 2009. Durante a maioria do tempo ela foi criada pelos avós maternos. Sem poder contar com a família e com o namorado, desabafou sobre a situação com um primo de consideração e lhe pediu ajuda.
“Meu primo me passou o número de uma amiga dele que fez o procedimento de aborto e essa amiga me colocou em um grupo (Facebook) para conversar com outras meninas sobre aborto. Me ofereceram o Cytotec, na época era R$900 reais, eu não tinha dinheiro” Nesse período, Bárbara ainda morava de aluguel com o parceiro, porém, mesmo empregado, ele não a ajudava com as contas da casa, gastava o dinheiro com drogas. Ela teve que bancar tudo sozinha.
A falta de dinheiro e o desespero a fez recorrer por medidas alternativas “Várias meninas não tinham dinheiro e comentavam o que dava certo e o que não dava certo” Nisso, ela optou por vários métodos, desde ficar sem comer até encher o corpo de drogas. “Usei muita cocaína, fumei muito cigarro. Cada corpo funciona de uma forma e quando você não come direito o corpo começa a rejeitar” E assim, Bárbara tomou a pílula do dia seguinte uma a cada 2 dias, junto com o anticoncepcional. Os efeitos colaterais vieram duas semanas após o uso desses medicamentos e maus tratos. “Comecei a sangrar muito e meu útero começou a sair vários pedaços, não sei o que foi efeito do quê, mas tive um aborto 'espontâneo'”.
Depois de um mês, procurou o ginecologista pela primeira vez na vida para saber como tinha ficado o seu útero. Bárbara conta que as cólicas vieram muito mais forte. Na consulta, além de identificar um cisto no ovário, o médico disso que, por conta do aborto “espontâneo” seu útero tinha ficado muito machucado.
Enquanto isso, Bárbara continuou com o namorado e nesse meio tempo ele nunca perguntou nada ou tocou no assunto. Ela só contou que teve o aborto espontâneo após um ano do ocorrido em meio a última crise de relacionamento.
Após o ocorrido ela ainda repensa sobre suas condições na época e pelos riscos que se colocou por interromper a gravidez. “Passei muito tempo me sentindo culpada por saber que não tinha as condições certas para cuidar de uma criança. Eu era incapaz financeiramente e psicologicamente. Não sinto tristeza em ter feito um aborto, mas me senti mal em ter feito isso enquanto única alternativa naquele momento. Eu não tinha para onde correr ou ter apoio” explica.
Durante esse processo ela não procurou ajuda psicológica e conviveu com os efeitos da situação. Comenta que um tempo depois tentou se matar e após isso, procurou ajuda psicológica paga, a indicação veio do primo de consideração. Fez dois meses e, por questões financeiras teve de parar de frequentar a terapia. “Eu fiquei desempregada porque trabalhava em uma casa de jogo e meu patrão tentou me assediar e eu não sedia as abordagens dele”.
Por mais delicado que seja, a jovem toca no assunto, mas de forma cuidadosa perante algumas pessoas. “Eu falo sobre aborto obviamente, mas sobre o que eu fiz não porque tenho certeza que as pessoas da minha família me veriam como errada. É como você contar que seu amigo é gay e sua família não falar nada mais, se vc falar que é gay, talvez alguém se volte contra você” diz.
Mesmo assim, ela não se arrepende do que fez e, acredita que, a legalização do aborto é o caminho para a garantia da vida e saúde das mulheres. “O aborto ele acontece independente dele ser legalizado ou não. Se ele fosse legalizado ele daria apoio físico e cada mulher saberia o que usar para cada corpo e não se machucaria. O apoio psicológico seria um dos passos fundamentais para gerar menos mortes, menos crianças largadas ou vivendo em condições precárias. E daria mais apoio até mesmo as mulheres que abortam por pressão do parceiro, porque não é todo mundo que sabe para onde ir, então, falar sobre esses caminhos daria mais opções para mulheres” afirma.
Para Bárbara, a maternidade é algo que deve ser encarado como escolha e não consequência. Ela também acredita no apoio a militância feminina enquanto forma de fortalecimento à favor da legalização do aborto. “Tem muita mulher que não consegue apoiar a luta das mulheres e não consegue visualizar o lado do seu próprio gênero. Você não pode ser egoísta de só querer ter um filho e não entender as suas condições de vida. É importante entender que não dá só para ter um filho, a qualidade de vida desse próximo ser importa. São questões humanas também. Mas para mudar isso, a gente precisa cuidar de uma sociedade que está totalmente desordenada. A militância de mulheres ajuda muito, mas é preciso montar uma rede ou base sobre os direitos a vida da mulher hoje” reforça.
Hoje, com 21 anos, ela trabalha como auxiliar administrativa, terminou com o namorado e voltou a morar com os avós maternos.

“Comecei a sangrar muito e meu útero começou a sair vários pedaços, não sei o que foi efeito do quê, mas tive um aborto 'espontâneo'“
Bárbara
Por Renata L.

Heloísa Freitas
Heloísa Freitas, é jornalista e com 26 anos mora sozinha no estado de São Paulo. Há cinco anos realizou um aborto clandestino. Prestes a completar 19 anos, mudou-se do Paraná para São Paulo, com a ajuda do pai, para realizar seus sonhos. Após dois anos de permanência na cidade, continuava a ter dificuldades para se estabilizar financeiramente. Na época, morava em uma quitinete no bairro da Liberdade, trabalhava em uma corretora de imóveis de domingo a domingo, sem carteira assinada e sem contrato. Heloísa também fazia eventos na parte da noite para conseguir uma renda maior. Nesse momento, iniciou um relacionamento com um estudante de jornalismo e relatou que era abusivo e inconstante, pois viviam entre idas e vindas. Até que em uma dessas voltas ao relacionamento, Heloísa engravidou.
A gravidez era indesejada diante do relacionamento problemático, não era de sua vontade dar prosseguimento a gestação “Meu namorado ficou mais em choque do que eu porque ele nunca teve respeito nenhum pelo relacionamento e imagina você ter que respeitar um relacionamento com um filho, o que pesava mais pra ele era isso” Heloísa conta que também fazia um tratamento com o remédio “Roacutan” medicamento forte para tratamento intenso de acnes e diante do uso dele é uma contraindicação absoluta engravidar, pois causa danos ao feto.
Com um bom autoconhecimento e sempre atenta às mudanças do seu corpo, a jornalista relatou que percebeu rapidamente que estava grávida, fez teste de gravidez de farmácia, o qual deu positivo e mesmo sabendo que o teste poderia dar um falso negativo mas não um falso positivo, fez o um segundo teste mas dessa vez sanguíneo, também deu positivo. A partir da confirmação, o desespero instalou-se na jovem, que juntamente com o namorado não sabia o que fazer.
Sem alternativas, Heloísa conta que os dois foram procurar a mãe dele, que depois de ficar sabendo da gravidez, mostrou-se totalmente contrária ao prosseguimento da mesma e afirmando que não ajudaria em nada que fosse necessário para o casal. “Ela me chamou para conversar com ela, sozinha. Eu senti que foi uma conversa muito intimidadora, cara, eu não fiz isso sozinha”.
Mesmo com toda a situação intensa e confusa que passava, Heloísa tinha em mente que jamais abortaria através do medicamento. Pois tinha receio das consequências que o uso dele poderia causar. Ela conta que o namorado e um amigo dele estavam a pressionando para que ela abortasse com o medicamento, mesmo assim continuou sem mudar de ideia “Eu não vou tomar remédio, não me venha com Cytotec porque eu não vou pôr a minha vida em risco. Uma amiga da minha irmã tomou há uns anos, ela quase perdeu uma parte do útero e ficou dias internada”.
Sem saídas e com quem contar, a jovem decide ligar para os pais e relatar tudo o que estava passando para que eles pudessem ajudar de alguma forma. Fazer a ligação para a mãe não foi fácil, ela relembra “Eu só conseguia pedir desculpa, pedir perdão, porque eu sabia que eles iriam assumir o ‘b.o’. Minha preocupação nem era com ‘manchei o nome da família, estou grávida aos 21 anos’ era mais porque meu pai me ajudou a vir para São Paulo, para realizar um sonho e depois de dois anos eu apareço grávida e ligando para ele me ajudar, era mais vergonha nesse sentido e não da gravidez em si, ter um problema e jogar para que ele resolvesse”.
Logo depois de conversar com seus pais, procurou por um lugar que realizasse o aborto. Duas semanas após a descoberta da gravidez e com seis semanas de gestação, a jovem jornalista conseguiu achar uma clínica para fazer o procedimento. Heloísa relembra a experiência no lugar “A clínica que eu fui foi em Moema, o procedimento custou mais de três mil reais e é pago a vista, no máximo jogado para o crédito, mas acho que não parcelava. E, quando eu fui - duas vezes, no dia da consulta e no dia do procedimento - eu não vi uma mulher negra no consultório. Das mulheres brancas que estavam lá, todas com iPhone do ano, roupa de marca, sapato de marca. Então assim, mulheres muito ricas”. Também relata que o procedimento todo durou em torno de uma hora e, mesmo com uma pequena cólica, foi trabalhar normalmente.
Heloísa conta que percebe um “sadismo” quando o assunto é sobre aborto, pois sempre que a perguntam, ela afirma que não se sente arrependida ou culpada, porque apenas exerceu seu direito de escolha “Não acho que cometi crime algum” Entretanto, as pessoas custam a acreditar em suas palavras, dizem que a dor chegará um dia e sentem prazer em dizê-lo. Heloísa fala que as opiniões e críticas alheias não a preocupam nem a paralisam, mas sabe que com outras inúmeras mulheres todos os comentários, falas e ações interferem em suas decisões.
Sobre a descriminalização do aborto, ela afirma “A questão é que o aborto é feito mesmo ele sendo descriminalizado ou não. O que difere uma coisa da outra é: que o aborto sendo descriminalizado ele vai salvar muitas vidas, principalmente, de mulheres negras periféricas com pouco grau de instrução. Porque, a mulher branca, rica, privilegiada de classe média alta, ela vai abortar em clínica”.
Com 26 anos, sem o antigo namorado, um emprego estável e terminando a segunda graduação, Heloísa diz que caso engravidasse, abortaria novamente ou pelo menos cogitaria a ideia. Há um ano ela conta que começou a fazer terapia, sendo algo que a ajuda muito. Chegou a falar uma vez sobre o aborto que fez, mas é algo que trata com naturalidade desde sempre. Heloísa apenas relembra que se sentiu muito rejeitada pelo antigo namorado e a sogra sobre ter o filho, chegou a ter problemas de autoestima. Faz a terapia mais pelo relacionamento abusivo do que pela gravidez que interrompeu.
Apesar de mostrar-se totalmente pronta e a favor da descriminalização do aborto, Heloísa não tem esperanças para que isso ocorra num futuro próximo “Não acho que é uma coisa que a gente vai ter tão rápido, daqui dez anos a gente ainda vai estar nessa mesma discussão”.